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CESAR .
2022-06-07T00:00:00
Pessoas
Liderança em Design no contexto remoto
Um relato baseado na experiência de Priscila Alcântara, designer de interação no CESAR.
Para esse texto fazer algum sentido, talvez seja importante contar um pouquinho da minha história. Sem querer entregar a idade, eu comecei a trabalhar com design lá atrás, no começo dos anos 2000, com editorial e gráfico. Comecei numa serigrafia. Depois passei a lecionar design gráfico em cursos livres durante a faculdade de Administração em Marketing.
Com o avanço da Internet, acabou fazendo sentido seguir com a pós-graduação em Design para Artefatos Digitais, do CESAR, onde, anos depois, vim a fazer parte atuando como designer. Isso já faz quase cinco anos. Antes tinha chegado a liderar um grupo pequeno de designers, mas hoje, no meu time, somos mais de 15, em um grupo maior de mais de 140 pessoas designers na instituição.
Nesse momento, você pode estar se perguntando: e por que esse background é relevante? Bom, como você pode ver, nem eu e nem a maioria dos designers espalhados pelo mundo estudou formalmente para ser líder. A gente vai caindo de paraquedas e um belo dia, sim, você está na liderança.
E quer saber? Pensar que está todo mundo aprendendo ao mesmo tempo foi reconfortante. Tem gente que acabou de chegar nesse papel, outras pessoas almejam chegar aqui e estão meio perdidas sem saber o que fazer. Bem, eu não trouxe aqui uma receita de bolo, mas trouxe um pouco da minha experiência que, talvez, consiga ajudar você que está se vendo nesse papel agora ou que um dia quer seguir pelo caminho da liderança em design.
1. Tudo bem sentir um pouco de insegurança
Veja, todo mundo está aprendendo mesmo. Alguns há mais tempo do que outros, mas, com a chegada da pandemia, todos tivemos que ir pra casa e, se você está numa organização como o CESAR, em que as pessoas estão espalhadas pelo Brasil e pelo mundo (eu mesmo me mudei para outro país em 2021), isso ainda acrescentou um novo nível de dificuldade: o trabalho remoto. Se você estava equilibrando os pratos e respirando com um pouco mais de tranquilidade, agora todo mundo voltou à estaca zero e tem que aprender tudo de novo.
Isso tem muito significado:
Você está longe fisicamente das pessoas que você costumava ver todos os dias, tomava café, almoçava e dividia uma parte da vida junto, de segunda a sexta-feira;
Talvez existam pessoas no seu time que você nem conhece pessoalmente;
Se você for trabalhar remotamente de outro país, como eu, mesmo com a pandemia melhorando, você e o seu time sabem que não dá pra pegar o carro ou ônibus, moto, patinete, dar uma caminhada e se encontrar.
Com todas essas questões existindo, não tem como não sentir aquele friozinho na barriga, sabe? Ter consciência disso e entender que estamos construindo o caminho para a liderança remota ajuda a diminuir a ansiedade. Seja o líder que você gostaria de ter e, mesmo tropeçando aqui ou ali, a gente vai se acertar.
2. Confiança é tudo
William Mcknight, que dirigiu a 3M por quase quatro décadas, nos deixou uma pérola de sabedoria: “Contrate bons funcionários e deixe-os em paz”. O caminho para que a liderança remota funcione vai sempre passar pelas pessoas. Por isso, contrate gente confiável e seja você mesmo uma pessoa aberta, confiável e disponível também.
No manual de cultura do CESAR há algo interessante que eu sempre gosto de lembrar àqueles que trabalham comigo: você não foi uma pessoa contratada por acidente. Nós contratamos as pessoas por um motivo. Se você fizer o que mostrou que era capaz de fazer durante as nossas conversas, vai deixar o seu trabalho nos convencer que você sempre foi a escolha certa.
Já no processo seletivo, comece pensando bem em quem você quer ter ao seu lado trabalhando. Pense em gente que se adequa à cultura e se essa é uma das pessoas em quem você pode confiar que a coisa vai fluir.
3. Alguém vai precisar falar as coisas difíceis
E, provavelmente, essa pessoa será você. Eu li essa frase do Bruno Canuto e isso reforçou o quão importante é ter a confiança das pessoas. E, veja, estar trabalhando remotamente sobe a régua da dificuldade, ou seja, falar coisas difíceis a distância pode ser ainda mais desafiador. É preciso se preparar psicológica e emocionalmente. Pense nas palavras que você vai usar e no momento certo de abordar uma situação, não esquecendo que adiar uma conversa difícil além do necessário só vai piorar as coisas. Pense bem, quanto mais você posterga:
- Mais firme terá que ser, porque exigirá ações mais rápidas;
- Menos tempo a pessoa terá para fazer mudanças solicitadas;
- Você corre ainda mais risco de perder uma pessoa boa do seu time. Afinal, se aqueles que são bons recebem o mesmo tratamento daqueles não tão bons assim, por que ficar?
- Se alguém precisar falar coisas difíceis por você é porque você não está fazendo seu trabalho de líder direito.
Saber disso nos leva a um outro aprendizado importante.
4. Não dá pra fazer todas as pessoas felizes o tempo todo.
A chateação gerada por uma decisão ou conversa difícil vai passar. Se não passar, é sinal de que está faltando maturidade: analise a situação, medite friamente, com disposição para reconhecer se houve algum erro da sua parte e, se for o caso, peça desculpas.
Mas, se o problema for da outra parte, é seu papel como líder ajudar os seus liderados a alcançar a maturidade profissional. Faça um plano, compartilhe e aprenda para a próxima.
5. Seu trabalho muda quando você se torna líder
Vai ser preciso trabalhar dentro de si a ideia que existem no time pessoas tecnicamente melhores do que você e é necessário viver bem com isso. Entenda que ser líder não vai, necessariamente, te fazer um designer melhor ou mesmo ganhar mais dinheiro: pode acontecer, mas não é mandatório.
Além do mais, seu time precisa aprender. É possível que você consiga fazer as coisas mais rápido, mas bonito ou melhor. Mas se você sempre tomar as atividades para si, três cenários podem acontecer:
- As pessoas não vão aprender a fazer mais rápido, mas bonito e melhor;
- Você não vai conseguir fazer o seu trabalho como líder;
- Você transmitirá a mensagem para o seu time de que as pessoas não podem aprender com os erros.
E nenhum desses cenários é positivo Dar autonomia para as pessoas fazerem, errarem e saberem que você está lá pra segurar a onda junto é o caminho. Sabendo disso, antes de topar um papel de liderança, pense que você vai deixar de fazer algumas coisas e assumir outras tantas responsabilidades novas.
Na maior parte do tempo você deixa de atuar em atividades mais técnicas, como desenhar telas, fluxos, fazer ideação ou validação com os usuários. Agora, você vai ficar mais tempo pensando sobre a gestão de pessoas, participando de reuniões (muitas!) e até mesmo dizendo “nãos” que você não gostaria de ter que dizer. Muita vezes o seu trabalho vai ser tomar as decisões difíceis e até, eventualmente, impopulares.
E, trabalhando remotamente, é interessante abrir a câmera, mesmo quando não está com vontade, porque, como líder, passa a ser importante que as pessoas não só ouçam o que você diz, mas vejam como você diz, faz as coisas e a sua postura como um todo. E aqui não estou falando de dress code. O ponto é a sua comunicação corporal mesmo.
6. Seu usuário principal agora é a pessoa que trabalha com você
No fim, ser líder também não é um chamado ou algo obrigatório. Ser líder exige perfil e não quer dizer, em absoluto, que você é chefe e nem melhor do que ninguém. Nunca. Jamais.
E, se você pensar direitinho, é um trabalho de design. Ao invés de ouvir sobre um produto ou serviço, você vai ouvir pedido de demissão, vai ter que decidir quando é a hora de dar um feedback negativo para alguém, entender o impacto disso no teu projeto e segurar a onda, fazer disso uma experiência cada vez melhor para as pessoas.
E, embora ninguém faça liderança sozinho, vai descobrir que, eventualmente, é um lugar meio solitário, de fato. Isso porque a gente descobre que as pessoas têm medo de nos dar feedback – principalmente se for para alguém que elas nunca encontraram pessoalmente.
Liderar é sobre projetar a experiência de trabalho das pessoas que estão com você, entendendo suas necessidades, desejos e vontades. É fazer design centrado no usuário como você nunca fez antes.
Referências
CANATO, Bruno. O que não falam sobre liderar equipes. UX Collective, 19 de jan. de 2020. Disponível em: <https://brasil.uxdesign.cc/o-que-n%C3%A3o-falam-sobre-liderar-equipes-c36b02795084>. Acesso em: 05 de mai. de 2020.
CESAR. Pequeno manual de cultura, 2021.
SCOTT, Kim. Radical candor: fully revised & updated edition: be a kick-ass boss without losing your humanity. St. Martin’s Press, 2019.