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CESAR .


2016-12-12T00:00:00

Tecnologia


Impressão 3D e Saúde — Desafios e Oportunidades

Por Marcelo Nunes

Enquanto ainda há um conjunto de limitações que impedem uma maior adoção das impressoras 3D no setor médico e de saúde, as impressoras atuais, mesmo que contando com materiais de impressão simples, já estão introduzindo pequenas revoluções em tratamentos de pacientes com trauma ou pacientes odontológicos de prótese.

Cecilia Rodrigues, analista de marketing, 33 anos, estava de férias em Porto Alegre e pretendia em mais dois dias realizar uma viagem há muito aguardada para Gramado, no interior do Rio Grande do Sul. Durante um almoço em uma churrascaria gaúcha, Cecilia sentiu um pequeno estalo em um dos seus dentes molares. Turista na cidade e sem conhecer dentistas que pudessem atendê-la de emergência, Cecilia se dirigiu a um hospital particular de Porto Alegre onde lhe haviam dito que se fazia atendimentos odontológicos. Para sua surpresa, durante seu tratamento, a dentista que lhe atendeu lhe informou que precisaria fazer uma faceta para o dente danificado, mas que não demoraria muito já que a unidade do hospital contava com uma impressora 3D que esculpiria a nova faceta em alguns minutos. Em uma hora, Cecilia foi atendida, teve seu problema diagnosticado e resolvido sob medida para a sua anatomia.

O relato acima é uma ficção. Cecilia não existe e nunca esteve em Porto Alegre, porém o restante da narrativa que contempla a utilização de uma impressora 3D no consultório de um dentista é real e está sendo utilizada em hospitais particulares do Brasil. Por mais que pareça coisa de filme de ficção científica, as impressoras 3D estão ficando cada vez mais populares nos serviços de saúde. A principal vantagem da impressão 3D (ou manufatura aditiva) para análises clínicas e tratamentos está na possibilidade de se reproduzir fisicamente com alto padrão de fidelidade, anatomias de pacientes que precisam de tratamentos específicos e onde só seria possível ter uma ideia melhor do caso com procedimentos invasivos, que trazem risco cirúrgico e aumentam o tempo de recuperação do paciente. Tecnologias anteriores como a manufatura por subtração, além de não terem o mesmo nível de precisão, desperdiçam um grande volume de material por sua característica extrusiva.

Não é difícil se obter consenso entre o corpo médico e profissionais da saúde em geral sobre os benefícios de se ter uma impressora 3D em hospitais, clínicas avançadas e até mesmo consultórios odontológicos, porém ainda existe um grande desafio no próprio setor sobre como introduzi-la nos procedimentos diários. Além da necessidade de se ter um equipamento que ainda é caro, também se faz necessária a capacitação dos profissionais para operarem a impressora ou até mesmo de profissionais específicos para modelagem e efetiva impressão dos modelos. Apesar de ainda ser um artefato caro, alguns modelos mais simples de impressora 3D são capazes de atender a demandas menos complexas e já apresentam uma vantagem significativa frente a exames de imagem que realizam visões em duas dimensões da complexa realidade tridimensional do corpo humano. A própria utilização de materiais como resina para consolidação de modelos anatômicos de pacientes representa um valor muito baixo se comparado com o tempo a mais de cirurgia e ocupação de uma sala cirúrgica que seria necessário em procedimentos exploratórios, por exemplo.

Enquanto ainda há um conjunto de limitações que impedem uma maior adoção das impressoras 3D no setor médico e de saúde, as impressoras atuais, mesmo que contando com materiais de impressão simples, já estão introduzindo pequenas revoluções em tratamentos de pacientes com trauma ou pacientes odontológicos de prótese. Não é de se admirar que um dos setores onde mais se avança em implementação de soluções com a utilização de impressão 3D é o setor de cuidados da saúde (ou healthcare). Em um recente relatório da consultoria IndustryARC [1] sobre o mercado de impressão 3D, a consultoria estimou um mercado global de US$ 487 milhões de dólares somente no setor da saúde e com uma expectativa de crescimento de 18% ano após ano até 2020.

Apesar da crescente adoção de impressoras 3D em ambientes médicos e hospitalares, em recente relatório da PwC [2] sobre o caminho a percorrer pela tecnologias de impressão 3D (The road ahead for 3D Printers), é possível se identificar ainda um grau de maturidade baixo para soluções em manufatura aditiva. Apenas 2,6% das 100 empresas entrevistadas disseram estar utilizando a impressão 3D para produzir produtos que não podem ser conseguidos através de métodos tradicionais, o que inclui, definitivamente, a impressão de modelos anatômicos individuais, como o caso da faceta dental que mencionamos no começo do nosso artigo.

A introdução de uma nova tecnologia é sempre um grande desafio dentro de um ambiente altamente regulado e acostumado a extensos estudos científicos para comprovar a eficácia de seus métodos. Não seria diferente com uma impressora 3D que, apesar de estar sendo usada na maioria dos casos para avaliações médicas, ainda pode apresentar erros e desvios nos modelos impressos. Mesmo com esses desafios de regulação e de implantação de impressoras 3D em larga escala em hospitais e clínicas especializadas, a comunidade médica e científica mantém muito otimismo principalmente com os resultados iniciais obtidos até o momento.

A manufatura aditiva, além de permitir maior precisão nos modelos que são construídos também tem uma vantagem avassaladora para o caso de bio impressão 3D: a baixa utilização de matéria-prima. Apesar de ser uma característica inerente da tecnologia, a possibilidade de se utilizar apenas o material estritamente necessário para a impressão de um modelo permite aos cientistas realizar experimentos exitosos em seus laboratórios. Por se tratar de material exclusivo e cultivado em laboratório, a utilização correta desses recursos é extremamente importante.

Estes argumentos não são só atraentes para a comunidade científica, governos e seguradoras de saúde também deverão se beneficiar e muito de uma possível massificação de tratamentos com impressoras 3D. Um dos principais debates do setor da Saúde hoje é seu financiamento. O atual modelo de fee for service, onde tratamentos e exames são cobrados individualmente e em cada vez que é realizado, é muito oneroso ao sistema além de ser insustentável em um mundo cada vez mais velho e com proporcionalmente menos jovens para alimentar o sistema de recursos. Em um mundo onde se valorizará menos internações e menos pacientes doentes, tratamentos que sejam personalizados, mais baratos e com menos chance de reinternação serão de vital importância para seus financiadores.

Um dos principais exemplos de barateamento de tratamento com a utilização de impressoras 3D está na criação de próteses. Próteses personalizadas além de serem caras, demoram a serem produzidas pelas técnicas de manufatura por subtração ou extrusão, além do evidente descarte de material que ocorre durante o processo. O baixo apelo estético fornecido por essas próteses também é um problema uma vez que causa impacto direto na autoestima dos pacientes que precisam utilizá-las ao longo de toda vida. A manufatura aditiva, por se caracterizar pelo depósito preciso de material camada por camada, permite que peças com designs mais elaborados e diferentes cores possam ser construídas dando aos pacientes uma experiência personalizada e mais adequada a sua realidade.

Mesmo apresentando vantagens técnicas e econômicas, a introdução da impressão 3D na operação de um hospital ou clínica demanda um custo inicial alto. As impressoras 3D profissionais são caras, na ordem de milhares de reais, e a operação das mesmas exige conhecimento específico tanto médico quanto de tecnologia da informação. Soluções fim-a-fim são escassas e o desenvolvimento de padrões de comunicação entre os diferentes dispositivos ainda não atingiu nível de maturidade suficiente para garantir uma integração automática.

No CESAR já se desenvolvem modelos de crânios de baixa fidelidade de pacientes que passaram por cirurgias oncológicas. Em parceria com o Hospital do Câncer de Pernambuco (HCP) alguns experimentos foram realizados para elaboração de órteses para cirurgias oncológicas na face. Estes modelos foram criados de forma a facilitar o trabalho de cirurgiões em cirurgias reparadoras, dando mais qualidade de vida e recuperando funções motoras e orais dos pacientes. Em um trabalho colaborativo entre médicos, engenheiros e designers, esta inovação começa a fazer parte do dia-a-dia dos pacientes do SUS, comprovando que inovar não exige projetos longos e caros mas sim a criação de parcerias e uma vontade incessante por mudar realidades.

Marcelo Nunes
Bacharel em Engenharia da Computação pela Universidade de Pernambuco, mestre pela Universitat Pompeu Fabra de Barcelona e MBA em Inovação pela FIA/USP. Hoje atua como Gerente de Novos Negócios do CESAR, desenvolvendo novas parcerias e projetos de inovação em tecnologia e em negócios. marcelo.nunes@cesar.org.br

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