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CESAR .
2022-09-21T00:00:00
Educação
Design Expansivo: soluções e inovações que nascem da construção coletiva
Por Raquel Laureano dos Santos, Analista de Relacionamento Educacional
O mundo está em constante mudança, e ela acontece tão rapidamente que chegamos a nos sentir impotentes diante do futuro, ameaçados com as incertezas do amanhã, com novas formas de viver e de trabalhar. “E não adianta tentar fugir do futuro, porque ele não é uma opção, acontece e vem do futuro. O futuro acontece por design, e é resultado de ter uma estratégia, de um processo de transformar aspirações e expectativas em capacidades e performances. E quando você não tem uma estratégia, a sua, você vai fazer parte da estratégia de alguém…” (MEIRA, 2021).
Aprender é uma estratégia (MEIRA,2021). Na Cesar School, aprende-se desenhando conhecimento, na graduação e pós graduação. O Problem Based Learning com Learning by Development são usados em projetos que tratam problemas reais, com trabalho em equipe, desenvolvendo competências e habilidades nos seus aprendizes. E é neste ambiente que as soluções e inovações acontecem.
Inovar é uma estratégia. Gerar novas idéias exige, com frequência, a ligação da sua área de conhecimento com as de outras pessoas. ”Os inovadores ganham uma perspectiva nova quando dedicam tempo e energia a descobrir e testar ideais por meio de uma rede de pessoas diversificadas” (DYER et al., 2012). Em outras palavras, como diz Silvio Meira (2014), a inovação é criação coletiva.
Ainda que não possa ensinar a alguém a ser inovador, a metodologia do design facilita a geração de novas soluções, criando novos produtos e experiências que transcendem o funcional.
E o design, segundo Silvio Meira, “…. não é fazer uma caixa nova, não é fazer a feição externa de um carro, de uma casa, muito menos de um produto, ou de um website, ou de uma aplicação para você rodar no seu smartphone, Design é desenhar conhecimento, na maioria das vezes, na forma de processos e métodos que articulam performances comunitárias” (MEIRA, 2021).
O design expansivo é um dos métodos que contribui para a criação coletiva de novas formas de atividade, produzindo conhecimento e também colaborando para o desenvolvimento e aprendizagens dos sujeitos envolvidos na redefinição e/ou melhoria da atividade em que estão inseridos.
O que é Design Expansivo?
O design expansivo foi um conceito apresentado no Instituto Ivrea de Design de Interação, em 2004, por Yrjo Engestrom (2014), que o define como uma tendência de transformação do Design de Interação, direcionado não só a produtos, mas também a relações, processos, serviços, organizações. O termo expansivo, significa que ele expande o escopo de atuação de um designer, ou um grupo de designers, para não se preocupar apenas com a parte tecnológica do produto, mas também com as relações sociais, processos, serviços e questões organizacionais.
Engestrom é professor na Universidade de Helsinki, reconhecido mundialmente por aplicar e desenvolver a Teoria da Atividade, como uma abordagem teórica em estudos sobre o processo de transformação e aprendizado em atividades de trabalho em organizações, e também pela teoria de aprendizagem expansiva e a metodologia intervencionista da Pesquisa e Desenvolvimento do Trabalho (LEMOS et al., 2013).
Para entender o design expansivo é necessário aprender sobre a Teoria da Atividade e a Teoria da Aprendizagem Expansiva, ambas fundamentais para aplicação do método.
A teoria da atividade
A Teoria da Atividade tem a sua origem no conceito de mediação por ferramentas de Vygotsky (1978), que originalmente introduziu a ideia de que as interações entre o homem e o seu ambiente não são diretas e sim mediadas por meio de ferramentas e signos. A atividade é realizada de forma individual e segue o ciclo da Figura 01.
Leontiev (1978) ampliou as ideias de mediação social e cultural de Vygotsky, desenvolvendo o modelo hierárquico da atividade humana. Para ele, na relação sujeito e objeto, a atividade se concretiza por meio de ações, operações e tarefas, geradas por suas necessidades e motivos. Engeström (1987), por sua vez, inspirado por esse pensamento, apresentou uma versão ampliada do modelo original de Vygotsky, incorporando os aspectos sociais e culturais da atividade humana de Leontiev, argumentando sobre a natureza coletiva e colaborativa da atividade humana, ou seja, a atividade é formada por grupos de pessoas que possuem instrumentos (seus artefatos mediadores), regras e divisão de trabalho e que estão ligados a um objeto compartilhado, conforme apresentado na Figura 02 (MEDEIROS et al., 2021).
Figura 02: Modelo de sistema de atividade
Fonte: Engeström (2002).
Então, a noção básica do design expansivo é compreender o objeto da atividade, seu relacionamento com o sujeito, ferramentas e mediadores sociais organizacionais, tais como regras (normas explícitas e convenções que restringem a ação dentro do sistema de atividade), divisão do trabalho (divisão de tarefas entre os indivíduos da comunidade) e comunidade (aqueles que tomam parte na realização do objeto), por meio de um processo de aprendizagem expansiva, gerando mudança/transformação na atividade (QUEROL et al., 2014).
Teoria da aprendizagem expansiva
Embasado na Teoria da Atividade, a aprendizagem expansiva, segundo Engeström e Sannino (2010), emerge como resultado de uma experiência multidimensional do aprendiz como um indivíduo e com a comunidade, mostrando ser qualitativamente diferente das perspectivas de aprendizagem pautadas na aquisição, com viés cognitivista, e na participação, como nas abordagens socioculturais. Acrescentam que, na aprendizagem expansiva, os aprendizes constroem um novo objeto para a sua atividade, e implementam esse novo objeto na prática, ao mesmo tempo em que ele está sendo criado.
Para Engeström (2001), quando uma pessoa ou grupo, em uma atividade, deparam-se com um dilema ou com uma contradição, isto pode levá-los a questionar o sentido e significado daquele contexto no qual a atividade se desenvolve. Desse modo, a pessoa ou grupo passará a se envolver em um contexto de crítica.
Isso leva o grupo a construir contextos alternativos mais amplos para a atividade, criando padrões culturais de atividade, com ferramentas típicas e ações próprias, das quais a atividade em questão passa a fazer parte. Esse processo, que pode ser visto como um movimento do grupo, indo do nível das ações para o nível da atividade, é o que caracteriza uma atividade de aprendizagem expansiva.
Como o Design Expansivo é aplicado?
O primeiro passo é mapear a(s) rede(s) de atividade(s), aplicando a Teoria da Atividade (TA), considerando todas as ações interrelacionadas e como exercem influência no resultado. A partir deste mapeamento, as ações dos sujeitos são analisadas, suas interações nos sistemas de atividades, usando o Ciclo Expansivo (Figura 03) , representando o escopo de cada uma das ações dentro do ciclo.
Para Engeström (2014), um ciclo de aprendizagem começa quando um modelo de atividade relativamente estável começa a ser questionado, e termina quando um novo modelo se consolida e se mantém estável, até que seja questionado novamente, dando início a um novo ciclo.
Figura 03: Ciclo de Aprendizagem Expansiva
Fonte: Adaptado de Engeström, 2014.
O processo de aprendizagem expansiva é entendido como um processo de “construção e resolução de problemas/contradições que evoluíram dentro do sistema”, idealizado como um ciclo composto por sete ações de aprendizagem (Engeström; Sannino, 2010, p.7):
Questionamento da situação atual: representa o momento em que questionamos, criticamos e rejeitamos alguns aspectos da prática corrente.
Análise da situação: envolve a busca de explicações ou das causas históricas dos problemas/contradições, por meio da construção de uma representação das relações internas do sistema de atividade. Aqui o design já se tornou expansivo, havendo uma articulação e envolvimento com todos os participantes da atividade nas contradições/problemas, com troca de conhecimentos e engajamento.
Construção do modelo de uma nova solução: representa o momento em que construímos um modelo simplificado de uma nova ideia que possa oferecer a explicação ou a solução para a situação.
Exame do modelo: representa o momento em que administramos, operamos e experimentamos o modelo construído, para conhecer sua dinâmica, seu potencial e suas limitações.
Implementação do modelo: envolve a aplicação prática do modelo, incluindo aperfeiçoamentos e a sua expansão conceitual.
Reflexão e avaliação do processo: envolve a análise dos dados gerados no período e a reflexão sobre o modelo construído e implementado.
Consolidação dos resultados: emergência de um novo modelo de atividade
O Ciclo da Aprendizagem Expansiva (ENGESTRÖM, 2014) é utilizado para resolver ou transformar as contradições existentes, resultando em uma mudança no sistema de atividade ou na construção de um novo objeto.
Com esta prática, há diversas metodologias que podem ser utilizadas em contextos de trabalhos (ENGESTRÖM; SANNINO, 2010), dentre elas o Laboratório de Mudanças (LM) , que tem como base teórica central a estimulação dupla de Vygotsky.
Onde é possível aplicar o Design Expansivo?
O Design Expansivo tem contribuído em contextos caracterizados por mudanças no mercado, na legislação ou mudanças qualitativas no objeto da atividade (LEMOS et al., 2013), oferecendo meta-ferramentas (tais como: o modelo Sistema de Atividade, Ciclo de Aprendizagem Expansiva e métodos de análise histórica), na qual os praticantes, junto com os designers, são capazes de analisar os problemas enfrentados no desenvolvimento das atividades e buscar os seus próprios caminhos e soluções mais adequados.
REFERÊNCIAS
DYER, Jeff et al. Innovator’s DNA, Updated, with a New Preface: Mastering the Five Skills of Disruptive Innovators. 2012. Disponível em: https://scholar.google.com/citations?view_op=view_citation&hl=en&user=KHws0DEAAAAJ&citation_for_view=KHws0DEAAAAJ:hFOr9nPyWt4C. Acesso em: 05 set. 2022.
ENGESTRÖM, Y. Learning by expanding (2nd ed.), New York: Cambridge University Press, 2014
ENGESTRÖM, Y.; SANNINO, A. Studies of expansive learning: foundations, findings and future challenges. Educational Research Review, 2010.
ENGESTRÖM, Y. From learning environments and implementation to activity systems and expansive learning. In: Actio: An International Journal of Human Activity Theory. 2009.
ENGESTRÖM, Y. Aprendizagem por expansão na prática: em busca de uma reconceituação a partir da teoria da atividade. Tradução D. Vilas Boas e M. Damiani. In: Cadernos de Educação. Pelotas: Ed. UFPel, 2002.
ENGESTRÖM, Y. Expansive learning at work: toward an activity theoretical reconceptualization. Journal of Education and Work, 14(1), 133-156. 2001.
LEMOS, M. et al. A Teoria da Atividade Histórico-Cultural e suas contribuições à Educação, Saúde e Comunicação: entrevista com Yrjö Engeström. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/BTX7QK5SkLGDpWw6jBzgDsK/?lang=pt#. Acesso em: 4 set 2022.
MEDEIROS, S. M. de A. et al. A TEORIA DA ATIVIDADE EM VYGOTSKY,LEONTIEV E ENGESTRÖM: OS FUNDAMENTOS DA APRENDIZAGEMEXPANSIVA. 2021. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8657702/27654. Acesso em: 4 set.2022
MEIRA, S. Strateegia.digital: uma plataforma pra desenhar estratégias. 2021. Disponível em: https://silvio.meira.com/silvio/strateegia-digital-uma-plataforma-pra-desenhar-estrategias/. Acesso em: 11 jan. 2021.
MEIRA, Silvio. Https://silvio.meira.com/silvio/inovao-criao-coletiva/. 2014. Disponível em: https://silvio.meira.com/silvio/inovao-criao-coletiva/. Acesso em: 05 set. 2022.
MEIRA, Silvio. Café Filosófico: O futuro das profissões. 2014. Disponível em: https://youtu.be/aPIPQ3Jfohk. Acesso em: 05 set. 2022.
QUEROL, M. A. P. et al. Eoria da Atividade: contribuições conceituais e metodológicas para o estudo da aprendizagem organizacional. 2014. Disponível em: Teoria da Atividade: contribuições conceituais e metodológicas para o estudo da aprendizagem organizacional. Acesso em: 04 set. 2022.
VIRKKUNEN, J.; NEWNHAM, D. S. The change laboratory: A tool for collaborative developmental of work and education. Netherlands: Sense Publishers, 2013.
VYGOTSKY, L. S. Mind and Society: The development of higher mental processes. Cambridge: Harvard University Press, 1978.